Não foram poucas as medidas flexibilizadoras da legislação trabalhista operadas ao tempo do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.Certamente a que teve maiores consequências foi a criação do chamado “Banco de Horas”, mecanismo de compensação das horas de trabalho, através de alteração do art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, primeiramente através da Lei 9.601 de janeiro de 1998 e, posteriormente, pela Medida Provisória 2164 de agosto de 2001.
Passou a ser admitido que, pela via da negociação coletiva, as horas extras trabalhadas pelo empregado sejam compensadas, não mais apenas na semana, mas ao longo do ano, com folgas em outros dias, ao invés de serem pagas como trabalhadas e mais o adicional remuneratório previsto para tal excepcionalidade.
Além do prejuízo financeiro evidente para o trabalhador, que perde a remuneração do adicional, mais importante é a desorganização pessoal do trabalhador. Este passa a ter um horário de trabalho variável e em dias incertos, deixando de poder reservar parte de seu tempo para se dedicar a outra atividade, seja profissional, cultural, desportiva ou, mesmo, que possa aproveitar o tempo livre com sua família.
Esta desorganização da vida do trabalhador tem sido estudada em outros Países. Sobre o tema, na Europa, o texto de Francisco José Trillo Párraga, “Hacia donde camina Europa – a propósito de la propuesta de modificación de la Directiva 2003/88/CE”, in “Direito Coletivo do Trabaho”, coordenador Rodrigo Schwarz, Editora Elsevier.
Na prática, nos mais variados locais de trabalho, a decisão empresarial é incontrastável, com pequena possibilidade de o empregado resistir à vontade deste, seja por trabalhar extraordinariamente quando assim lhe for solicitado, seja por compensar o trabalho extraordinário por folgas somente nos dias e nos horários que mais convenham ao empregador. Assim, as compensações em geral são feitas em períodos de baixa produção e que, outrora, poderiam ensejar a simples dispensa do trabalho pelo empregador com o pagamento dos salários do período como licenças remuneradas.
A previsão do denominado “Banco de Horas”, ademais, está na contramão de uma desejável redução da jornada de trabalho no Brasil para quarenta horas. De fato, a jornada de trabalho legal em nosso país, de 44 horas, já é elevada para os padrões internacionais. São preocupantes os dados do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre os R$20 bilhões que deixam de ser pagos anualmente em razão de não-pagamento (e também não-compensação) de horas extras, com a consequente sonegação de outros bilhões que deixam de ser recolhidos ao FGTS, ao fisco e à Previdência Social.
Aqui outro motivo grave para que seja revogado o art. 59 da CLT, ou seja, a partir da criação do mencionado “Banco de Horas” tornou-se ainda mais difícil a fiscalização das condições de trabalho por parte dos sindicatos, da Auditoria-Fiscal do M.T.E., pela Justiça do Trabalho e pelo próprio trabalhador. A compensação é feita de forma caótica, no prazo de um ano, por vezes, exigindo, em processo judicial, um levantamento contábil meticuloso para averiguar a correção das compensações e/ou pagamentos das horas extras prestadas.
Neste quadro, é alvissareiro que, através de projeto do Deputado Federal Assis Melo (PcdoB, RS), se debata, no âmbito do Congresso Nacional, a modificação do art 59 da CLT, propiciando que as formas de compensação horária não se tornem instrumento de injustiça e de regresso social.
Artigo elaborado por Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga, Desembargadores do Trabalho da 4ª Região, publicado no site http://www.ambito-juridico.com.br.