Muitos advogados ficaram que atuam na área tributária e fiscal ficaram temerários com a nova lei de Lavagem de Dinheiro, uma vez que entre seus dispositivos deixou margem à algumas interpretações que abrangiam o serviço privativo do advogado e sua relação toalmente sigilosa com seu cliente.
Marcelo Knopfelmacher, advogado e diretor presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA, em artigo publicado na CONJUR de 28 de janeiro de 2013 defende a inaplicabilidade deste dispositivo novo aos advogados, em conformidade também pelo que entende o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Com a edição da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, que alterou a Lei 9.613, de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), o tema relativo ao dever de informar as autoridades financeiras competentes sobre operações suspeitas vem suscitando acalorados debates e discussões sobre sua aplicação à atividade da advocacia.
Isto porque a aparente falta de clareza do artigo 9º, inciso XIV, da Lei 9.613/1998 (na redação que lhe deu a Lei 12.683/2012), que estabelece tal dever de informar às “pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” nas operações que indica, poderia, na visão daqueles menos familiarizados com o tema, obrigar também os advogados e as sociedades de advogados a fazer sua inscrição no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), de modo a delatar seus clientes diante da suspeita ou o mero contato com operações que, em tese, não se revestem da ortodoxia exigida pela mesma legislação.
É bom que se diga, desde o início, que os advogados aplaudem a iniciativa do Congresso Nacional no combate à lavagem ou ocultação de bens, especialmente levando em conta que o Brasil é signatário de importantes Convenções que tratam do tema (v.g. Convenção de Viena (1988), Convenção de Palermo (2000), Convenção de Mérida (2003), incorporadas em nosso ordenamento jurídico por força dos Decretos 154/1991, 5.015/2004 e 5.687/2006, respectivamente).
Mas também é bom que se registre que a advocacia é atividade que, pelas suas próprias especificidades, vem regulada por lei especial (Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia), a qual não deixa margem de dúvidas a respeito da atividade privativa da advocacia (referida em seu art. 1º), a saber: (i) a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; e (ii) as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Ou seja, já por força do artigo 1º do Estatuto da Advocacia é que os advogados e respectivas sociedades (que, por sua vez, não prestam consultoria e assessoria de “qualquer natureza”, mas sim de natureza jurídica e, portanto, privativa dos inscritos na OAB) — não expressamente referidos na norma do inciso XIV do artigo 9º da Lei 9.613/1998 (na redação que lhe deu a Lei 12.683/2012) — claramente não devem se sujeitar ao dever de informar.
Mas se tanto não bastasse, e considerando (i) a expressa disposição constitucional (artigo 133) no sentido de que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”; e também considerando (ii) que o Estatuto da Advocacia expressamente coíbe a divulgação de sigilo profissional sob pena de infração disciplinar (art. 34, inciso VII), inclusive assegurando o direito do advogado de recusar-se a depor como testemunha a respeito de fatos de que tenha tomado conhecimento por força do exercício profissional e/ou protegidos pelo sigilo profissional (art. 7º, inciso XIX); e considerando ainda (iii) que o artigo 154 do Código Penal define como crime a violação de segredo profissional, é que não poderia mesmo haver dúvidas sobre a absoluta incompatibilidade entre o dever de informar a que alude a Lei de Lavagem e o regular exercício da advocacia.
Não foi por outra razão, aliás, que, aos 20 de agosto de 2012, o Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB, órgão regulador máximo da profissão, em resposta à Consulta formulada pelo Conselho Seccional da OAB-SP, assim se pronunciou, por unanimidade de votos, nos autos da Consulta 49.0000.2012.006678-6/OEP:
“Lei 12.683/12, que altera a lei 9.613/98, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Inaplicabilidade aos advogados e sociedades de advogados. Homenagem aos princípios constitucionais que protegem o sigilo profissional e a imprescindibilidade do advogado à Justiça. Lei especial, estatuto da Ordem (lei 8.906/94), não pode ser implicitamente revogado por lei que trata genericamente de outras profissões. Advogados e as sociedades de advocacia não devem fazer cadastro no COAF nem têm o dever de divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe foram entregues no exercício profissional. Obrigação das seccionais e comissões de prerrogativas nacional e estaduais de amparar os advogados que ilegalmente sejam instados a fazê-los.”
Respeitando a disciplina sobre o cadastro pelos órgãos reguladores próprios (aliás, como reza a própria Lei de Lavagem em seu artigo 10, inciso IV, na atual redação) — que, no caso da advocacia, há regramento expresso no sentido do não cadastro (conforme o pronunciamento do CFOAB acima referido) — veio em boa hora a Resolução 24, de 16/01/2013 (efeitos a partir de 1/3/2013), do Coaf, que, de seu artigo 1º, consta a obrigatoriedade de informar por aquelas pessoas físicas ou jurídicas “não submetidas à regulação de órgão próprio regulador que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, nas seguintes operações: (…)”.
Resta, portanto, resolvida a questão do ponto de vista normativo, não podendo haver dúvidas sobre a não aplicação do inciso XIV do artigo 9º da Lei de Lavagem à atividade da advocacia, cujo órgão regulador máximo, ao tratar do cadastro, expressamente determinou a sua não realização.