A Prisão Cautelar x Princípio da Presunção da Inocência

A Prisão Cautelar x Princípio da Presunção da Inocência

PRISÃO CAUTELAR

Ao contrário da prisão dita definitiva, que decorre de sentença condenatória irrecorrível, existe no nosso ordenamento jurídico, a prisão provisória, que é uma providência adotada no curso do processo, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
A prisão provisória é uma medida cautelar pessoal detentiva, de caráter excepcional, que só se justifica como um meio indispensável para assegurar a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, presentes que estejam o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Não estando presentes os requisitos gerais da tutela cautelar, e, não servindo apenas como instrumento do processo, a prisão provisória não seria nada mais do que uma execução antecipada da pena privativa de liberdade, e, isto, violaria o princípio da presunção de inocência.
No ordenamento pátrio, em decorrência dos princípios constitucionais, o juiz não pode fundamentar a prisão apenas na sua convicção, deve decretá-la com base no poder geral de cautela, justificando a necessidade da prisão vinculada a um dos motivos que a lei processual respalda. É preciso que a fundamentação seja séria, fundada e bem justificada.
Pode-se afirmar que a consagração do princípio da inocência não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-penal da prisão cautelar, que, inobstante a presunção relativa de não-culpabilidade dos acusados, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.
Entretanto, em iterativos julgados o STF tem enfatizado que a prisão cautelar, por afetar a liberdade do acusado antes de uma decisão final prolatada no processo, em que poderá ser declarada a sua inocência, constitui recurso acentuadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando indeclinavelmente necessário, tachando-a, não sem motivo, de medida odiosa.
Por isso, a imposição de extrema violência, que em última análise se converte numa prisão sem pena, vem exigindo, na moderna doutrina e jurisprudência, que se arrime na mais absoluta conveniência ou na maior necessidade.
Desta forma, a prisão cautelar não atrita de forma irremediável com a presunção de inocência, existindo, em verdade, uma convivência harmonizável entre ambas, desde que a medida de cautela preserve o seu caráter de excepcionalidade e não perca a sua qualidade instrumental. Permanecem válidas, pois, as prisões temporárias, preventivas, em flagrante, decorrente de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado e decorrente de pronúncia.
Passemos, então, a verificar a compatibilidade vertical de cada uma dessas prisões com o princípio constitucional da presunção de inocência:

– Prisão temporária.

Surgiu através da medida provisória n. 111, de 24 de novembro de 1989, posteriormente convertida na Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, ao argumento de combater a crescente criminalidade organizada, sobretudo, nos grandes centros urbanos.
Nasceu com a finalidade de banir a prisão para averiguações, que nunca existiu na lei, mas muito praticada pela polícia, e como uma forma de auxiliar o trabalho de investigação dos órgãos policiais. Como espécie de prisão pré-processual que é, deve ser interpretada em consonância com os princípios constitucionais que regem qualquer espécie de prisão cautelar.
Uma das maiores dificuldades encontradas pela doutrina na interpretação da Lei 7.960/89 é quanto ao âmbito do seu cabimento, tendo em vista a má elaboração do art. 1º e seus três incisos:

Art. 1º. Caberá prisão temporária:

I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: (omissis).

Existem quatro correntes doutrinárias acerca da interpretação do artigo supra citado.
A primeira corrente, capitaneada por Tourinho Filho defende que os incisos são aplicados isoladamente, para Antônio Scarance Fernandes eles são cumulativos (I,II,III).
Ada Pellegrini Grinover, sustenta que só poderá ocorrer a prisão temporária nos crimes capitulados no inciso III.
Por último, encontramos doutrinadores que acreditam que o certo é a combinação dos incisos I com o II e I com o III.
Sendo uma prisão de natureza cautelar, a prisão temporária de alguém apenas por estar sendo suspeito pela prática de um delito grave, capitulado no art. 1º, inciso III da Lei 7.960/89, considerando-se exclusivamente este argumento, afronta o princípio constitucional da presunção de inocência. Isto porque, não se encontra presente neste decreto nenhum dos requisitos autorizadores da medida. Por isso, deve-se conjugar o inciso III, com o inciso I ou com o inciso II, evidenciadores do periculum in mora.
A prisão temporária é decretada pelo Juiz de Direito, fundamentando a sua necessidade, de acordo com a justificativa da autoridade policial que representou pela medida.
Por ter um prazo pequeno, cinco dias prorrogável por mais cinco, o Juiz deve analisá-la com muita prudência para que não cometa uma arbitrariedade, haja vista que o remédio constitucional hábil para combater as prisões arbitrárias e ilegais, o habeas corpus, seria ineficaz, devido a exiguidade do tempo. Apenas nos crimes intitulados hediondos, Lei 8.072 de 25 de julho de 1990, o prazo da prisão é de trinta dias prorrogáveis por mais trinta, em havendo necessidade, o que daria tempo para o advogado impetrar o remédio heróico e conseguir uma ordem em favor do Paciente.

– Prisão Preventiva.

A prisão preventiva é, sem dúvida, a mais importante das espécies de prisão penal cautelar. Com proficiência assevera TOURINHO FILHO que “As circunstâncias que a autorizam se constituem na pedra de toque de toda e qualquer prisão processual”.
O eminente Magistrado LUIZ FLÁVIO GOMES 12, lembra-nos que: “O eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes podem o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tem bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão”.
Segundo expresso no art. 312 do CPP, para decretação da custódia preventiva haverão de coexistir os seus pressupostos (prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria), cumulados com um ou mais dos seus requisitos (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal).
A denominada Lei Antitruste, Lei N.º.884 de 11 de junho de 1994, no seu art. 86, acrescentou mais uma hipótese de prisão preventiva, qual seja, por “garantia da ordem econômica”.
Com efeito, a prisão preventiva só se compadece com o princípio da presunção de inocência, desde que seja decretada para atender a sua finalidade cautelar, presentes o fumus boni iuris representado pelos seus pressupostos, e configurado o periculum libertatis, com a demonstração de que a liberdade do acusado colocará em risco os resultados do processo, quer com relação ao seu desenvolvimento regular, quer quanto à efetiva aplicação da sanção penal que possa vir a ser imposta.
Contudo, com o princípio da presunção de inocência merece ser feita uma releitura da “garantia da ordem pública”, como hipótese autorizadora da prisão preventiva.
Não se pode mais tolerar que, sob o manto da garantia da ordem pública, se estabeleça prisão preventiva como medida coercitiva, desvinculada da sua finalidade cautelar. Na realidade, a prisão preventiva só se distingue da prisão-pena sob o ponto de vista funcional, cautelar num caso, de prevenção e reeducação no outro.
Ao se decretar uma prisão preventiva sob os argumentos retóricos da “Defesa Social”, “Exemplaridade” ou “Prevenção”, estar-se a inverter as finalidades da prisão cautelar com a prisão-sanção, numa verdadeira antecipação da pena, sem a observância da presunção de inocência e do devido processo legal, do qual são corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Portanto, a prisão para garantia da ordem pública só não ofenderá o princípio constitucional examinado se não se afastar da finalidade cautelar de preservação da paz social.
Contudo, em função da ausência de parâmetros objetivos para caracterizar ordem pública ou conveniência da instrução, conforme assinala RAIMUNDO VIANA , os Tribunais têm apresentado variações constantes a respeito do assunto, chegando ao absurdo de ressuscitar o clamor público como justificativa da medida que o próprio código já havia tangenciando, ou, então, maus antecedentes ou a reincidência genérica ou específica, a crueldade, a violência, a torpeza, a perversão, a cupidez, a insensibilidade moral ou a fuga logo após o crime. Neste sentido, há vários precedentes, inclusive no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, os quais, data venia, não se coadunam com a presunção de inocência.

– Prisão em flagrante.

A prisão em flagrante representa, por razões óbvias, uma exceção à regra de que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, como se constata pelo inciso LXI, do art. 5º, da Lei Maior.
E o CPP, pelo art. 302, considera em flagrante delito quem está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. ( inc. I,II,III e IV).
A prisão em flagrante, seja própria ou presumida, reveste-se, inicialmente, de caráter coercitivo, no sentido de resguardar a confiança na ordem jurídica.
Entretanto, pela sistemática atual do estatuto processual penal, após o advento da Lei 6416/77, que acrescentou o parágrafo único do art. 310, a manutenção da prisão em flagrante somente deverá ocorrer se revelar absolutamente necessária para se evitar o periculum libertatis.
Depreende-se pela leitura pelo avesso do supra citado parágrafo único, que o Juiz, só deverá manter o encarceramento quando verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a ocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Caso contrário deverá conceder ao réu liberdade provisória, depois de ouvir o Ministério Público, submetendo-o apenas a assinatura de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.
Dessa forma, pode-se afirmar que a natureza jurídica da prisão em flagrante, também, afigura-se inegavelmente cautelar.
Não obstante a força probatória do flagrante, mormente quanto à autoria e a materialidade, não se deve olvidar que igualmente concorre em favor do preso em flagrante a presunção de inocência e a garantia do devido processo legal, a que deverá ser submetido, sendo-lhe assegurado o contraditório e a ampla defesa.

– Prisão por sentença penal condenatória sem trânsito em julgado.

No que pese a Súmula nº9 do STJ, que dispõe sobre o entendimento de que a exigência da prisão provisória, para o réu apelar, não ofende o aludido princípio constitucional, hoje está consolidada uma forte tendência que só admite tal prisão com nítida natureza cautelar, o que significa que só se justifica quando devidamente fundamentada pelo juiz, que deve demonstrar os motivos fáticos e jurídicos excepcionais reveladores da sua necessidade. Jamais pode aludida prisão ser decretada “por força da lei”, “automaticamente”, pois aí conflita frontalmente com o princípio da presunção de inocência.

– Prisão decorrente de pronúncia.

De igual sorte a pronúncia somente autoriza a custódia do acusado, como garantia da ordem pública, por conveniência do processo nas etapas que se lhe seguem até o julgamento ou para assegurar a aplicação da lei penal, transformando essa prisão em espécie da preventiva que não pode prescindir da pertinente fundamentação.
E aqui também tem toda pertinência o quanto foi exposto sobre a prisão decorrente de pronúncia e até com mais razão, uma vez que a própria Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, dispondo sobre crimes hediondos, aos quais foi dispensado tratamento rigoroso, determina que o Juiz deverá decidir fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. E é clara que essa motivação haverá de se embasar na ausência de motivos que justifiquem a prisão preventiva e não mais na primariedade e nos bons antecedentes.

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O Princípio de Presunção de Inocência teve origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (artigo 9º), fruto da Revolução Francesa, foi reiterado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo XI), no século XX.
Documento que posterior que perpetrou o princípio em comento foi o Pacto de San José da Costa Rica, firmado em 1969, em seu artigo 8º, inciso I, do qual o Brasil é signatário.
No entanto, na legislação nacional, apenas a Constituição de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, o positivou: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O Princípio da Presunção de Inocência, ou da não culpa é uma das mais importantes garantias constitucionais, constantes na Carta de 1988, pois é em razão dele, que o cidadão, acusado em um processo crime, assume a sua posição de sujeito de direito na relação processual.
A nossa Lei Fundamental em seu artigo 5º, inciso LVII, ao dispor sobre o princípio objeto desse estudo, obriga o Código de Processo Penal a encontrar um equilíbrio entre a prerrogativa da pretensão punitiva do Estado e o direito a liberdade assegurada ao cidadão, pois mesmo que pese sob este uma imputação, só poderá ser considerado definitivamente culpado, quando a decisão judicial condenatória transitar em julgado.
Para que a sociedade não naufrague na marginalidade, é que o Estado detentor do jus puniendi prevê punição para todos aqueles que agem violando as normas de condutas socialmente impostas, com o fito de que se mantenha o equilíbrio entre os seus membros, de sorte que o cidadão ao agir em desacordo com as normas impostas no estatuto repressivo brasileiro, terá o seu direito a liberdade mitigado, pois será submetido a restrição de liberdade, como forma de repensar os seus atos, de ressocializar-se e, posteriormente, ser reintegrado a sociedade.
Nesse contexto, é que o direito-dever do Estado de punir deve estar em consonância com os preceitos fundamentais que tutelam o direito a liberdade, não podendo o Estado, titular do jus puniendi, agir fora dos ditames legais, devendo observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assegurando que a liberdade dos cidadãos integrantes do Estado de Direito não será cerceada de forma arbitrária, pois ao irresignar-se com a sentença condenatória poderá o acusado, ao fazer uso do duplo grau de jurisdição, ostentando o seu estado de inocência.
O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos:

a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova;
b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida;
c) no curso do processo penal, como paradigma do tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual.

Em decorrência do Princípio da Presunção de Inocência deve-se concluir que a prisão do acusado antes da sentença definitiva, só deve existir se preenchidos os requisitos e pressupostos que autorizam a prisão preventiva, insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Demais disso para a condenação, o juiz deve ter convicção de sua responsabilidade na prática do delito, pois em caso de dúvida, prevalece o princípio do in dúbio pro réu.
A Súmula nº9 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe sobre a exigência da prisão provisória para o réu apelar, e que tal prisão não fere o princípio objeto desse estudo, permanece em vigor, desde que para a sua aplicação sejam observados os preceitos insertos nos artigos 310, Parágrafo único e 312 do Código de Processo Penal, entendimento atualmente solidificado, desde que fundamentada e concretamente sejam demonstrados pelo juiz, os motivos fáticos e jurídicos que revelem a necessidade da prisão.
O Princípio da Presunção de Inocência não afasta a constitucionalidade da prisão cautelar, tais como: prisão preventiva, prisão temporária, em flagrante, decorrente de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado e em razão da pronúncia.
Dentre as conseqüências processuais decorrentes do Princípio da Presunção de Inocência, podemos citar: o direito a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, o direito de o réu apelar em liberdade, direito a prova, direito ao silêncio, direito de ser tratado com dignidade, direito a inviolabilidade da sua intimidade, a vida privada, a honra e a imagem.
Portanto, antes de ser aplicada qualquer forma de sanção, aquele que se encontra na condição de réu deve passar por um sensível procedimento de averiguação de todos os elementos que compõem um delito, sejam objetivos, sejam subjetivos, bem como, do conjunto probatório formado no decorrer da instrução processual, a fim de que não seja castrada a liberdade de pessoas inocentes.

Assim há de se concluir que o Princípio da Presunção de Inocência objetiva preservar o segundo maior direito fundamental, a LIBERDADE, sem o qual o primeiro maior, a VIDA, não tem nenhum sentido.

Fonte: Arthur de Almeida Boer e Melo – advogado – 21/11/2008

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

div#stuning-header .dfd-stuning-header-bg-container {background-image: url(http://www.almeidaboer.adv.br/wp-content/uploads/2018/07/Gravel-copy-1.jpg);background-size: initial;background-position: center center;background-attachment: scroll;background-repeat: initial;}#stuning-header div.page-title-inner {min-height: 400px;}