Há muito se tem verificado o aumento de prática consistente no oferecimento de títulos antigos da dívida pública como forma de supostamente afastar os débitos tributários dos contribuintes, principalmente perante a Receita Federal do Brasil. A estratégia utilizada, em tais casos, é o oferecimento desses títulos como forma de suspensão da exigibilidade dos créditos tributários – ou até mesmo a sua extinção, por meio de compensação, por exemplo – e também a sua apresentação como garantia em sede de execução fiscal.
Nesse sentido, é importante esclarecer, inicialmente, quais são os títulos da dívida pública emitidos pela Secretaria do Tesouro Nacional, os quais são aceitos pela legislação pátria, notadamente pela Lei nº 10.179/2001, vejamos: Letras do Tesouro Nacional (LTN); Letras Financeiras do Tesouro (LTF) e Notas do Tesouro Nacional (NTN). Interessante notar que esses títulos não são emitidos sob a forma de cártula, mas sim escrituralmente (eletronicamente). Essa é, aliás, uma das formas mais comuns para identificação de fraude envolvendo títulos públicos, uma vez que normalmente os títulos oferecidos estão constituídos sob a forma de cártula.
Passadas tais premissas, importante se ater para os títulos que mais comumente são objeto de fraude. Essa relação foi elaborada pela Receita Federal e, ante ao número crescente de casos identificados, foi objeto de uma cartilha explicativa disponibilizada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na internet, como forma de prevenir a fraude tributária.
O primeiro deles é a Letra do Tesouro Nacional (LTN), a qual foi emitida na década de 70 e teve o seu prazo de vencimento estabelecido para no máximo 365 dias. Verifica-se, ainda, que os fraudadores costumam oferecer “apólices da dívida interna”. São títulos emitidos até a metade do século XX pelo governo brasileiro cujo o intuito era o de captar recursos para financiamentos das ações necessárias ao país, os quais não valem desde 1969.
Outra forma muito comum de fraude identificada é o oferecimento de apólices emitidas em francos franceses, as quais foram resultantes de acordos celebrados entre os governos do Brasil e da França, sem validade após 1951, marco final das convocações realizadas para o seu resgate.
A única forma de suspender a exigibilidade do crédito é o depósito
O oferecimento de outros títulos da dívida pública oriundos do endividamento externo do país também é comum. Tais documentos foram emitidos em sua moeda estrangeira, sob a forma cartular. Dentre os argumentos utilizados como forma de “legitimar” a validade desses títulos, os fraudadores costumam citar a existência de crédito decorrente de ação de execução de título da dívida pública externa movida em face da União.
Da mesma forma, também é comum a menção de aplicação de correção monetária quando do resgate dos títulos em valores vultuosos, baseados em pareceres técnicos falsos ou desprovidos de qualquer credibilidade. Sustenta-se, ainda, a possibilidade de aplicação a esses títulos antigos do mesmo tratamento conferido aos títulos emitidos em conformidade com a Lei nº 10.179, de 2001, fundamentando a fraude na absurda possibilidade de conversão de títulos da dívida pública externa em Notas do Tesouro Nacional.
Esses argumentos muitas vezes são demonstrados em apresentações que mais se assemelham a propagandas de caráter duvidoso, repletas de erros gramaticais e erros técnicos grosseiros na esfera do direito, como exemplo, a citação de princípios legais/ constitucionais inaplicáveis ao caso – ou até mesmo inexistentes – utilização de estratégia consistente na aplicação de trâmites processuais impossíveis ou altamente arriscados etc.
É importante esclarecer que a única forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do Código Tributário Nacional (CTN) é o depósito do montante integral correspondente ao montante devido e em espécie. É o que preconiza o artigo 151, II, do CTN e a Súmula nº 112 do STJ.
Por outro lado, para fins de extinção do crédito tributário, o oferecimento de título da dívida pública não é modalidade extintiva do crédito tributário, pois consubstancia dação em pagamento, não o sendo, no entanto, a hipótese prevista no artigo 156, inciso XI do CTN, vez que o mencionado artigo dispõe sobre “bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei”, o que não é o caso.
Neste tema, é importante esclarecer que o oferecimento de títulos públicos com a finalidade de compensação com créditos tributários não é de todo vedada em outras esferas de poder, sendo, no entanto, imprescindível a existência de lei que autorize essa possibilidade de extinção do crédito tributário. Esse foi o entendimento reiteradamente manifestado pelo STJ, apoiando-se em interpretação extraída no art. 170 do CTN, como se observa, por exemplo, no julgamento do EDcl no AgRg no REsp 1.238.247/RS.
Sendo assim, recomendamos que o contribuinte fique atento para essas espécies de fraude, a qual, uma vez identificada, implica em consequências nas esferas fiscal e penal pela prática de crimes contra a ordem tributária.
Fernanda de Oliveira Biagione é advogada da área tributária do Viseu Advogados